Escola reafirma liderança acadêmica ao sediar a 44ª edição do maior congresso da área na América Latina; evento reuniu mais de 500 participantes em programação que abraçou temas desde inteligência artificial até mudanças climáticas
Entre as curvas arquitetônicas da Praia de Botafogo e o horizonte matemático das equações mais complexas do nosso tempo, a Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp) orquestrou o reencontro entre o Rio de Janeiro e a vanguarda da Matemática Aplicada. Após mais de quatro décadas de ausência, o Congresso Nacional de Matemática Aplicada e Computacional (CNMAC) foi sediado na capital fluminense de 15 a 19 de setembro para sua 44ª edição.

FGV EMAp recebeu pela 1ª vez o CNMAC, que voltou ao Rio de Janeiro após mais de 40 anos e reuniu mais de 500 participantes | Foto: FGV EMAp
Trata-se do maior congresso das áreas de Matemática Aplicada e Computação no Brasil e na América Latina. Em 2025, a FGV EMAp reuniu cerca de 550 convidados, entre professores, pesquisadores, estudantes e profissionais do setor produtivo em uma programação variada, composta por palestras plenárias, semi-plenárias, minicursos, minissimpósios, sessões de pôsteres e exposição de trabalhos acadêmicos, além de uma mesa-redonda.
Além das tradicionais sessões científicas, o CNMAC 2025 deu visibilidade a temas emergentes como mudanças climáticas, inteligência artificial, quantificação de incertezas e matemática industrial, refletindo as transformações e as demandas atuais da ciência, da indústria e da sociedade. Ao longo da semana, as salas da FGV estiveram cheias, evidenciando o engajamento da comunidade científica com os desafios contemporâneos e com a construção de soluções colaborativas.
Um evento que vai além da ciência: encontros, conexões e gerações
Coordenador nacional do CNMAC 2025, Luiz-Rafael Santos avaliou que o congresso cumpre um papel que ultrapassa a apresentação de trabalhos acadêmicos e detalhou a preparação da Escola em receber um evento de tal magnitude na área.

Luiz-Rafael Santos, coordenador nacional do CNMAC 2025, comemorou o networking e o intercâmbio de ideias entre pesquisadores e alunos no evento realizado na Escola | Foto: FGV EMAp
“Coordenar o CNMAC demanda muito esforço, começa um ano antes. Mas quando você vê o auditório cheio, as palestras de alta qualidade e as pessoas se reencontrando, percebe que vale a pena. Esse evento ajuda a fazer a Matemática Aplicada crescer, pela troca de ideias e pelo networking que acontece aqui”, defendeu o pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Luiz-Rafael, que participou de sua primeira edição do CNMAC ainda como aluno de graduação em 2002 - curiosamente em Nova Friburgo na última vez que o estado havia sido anfitrião do evento -, destacou também o impacto formativo do congresso. “É muito legal ver alunos tirando foto com professores, se emocionando porque conseguiram responder uma pergunta. O CNMAC tem esse diferencial de ser também um espaço afetivo, de inspiração para as novas gerações. E isso se conecta diretamente com o objetivo de divulgar e fortalecer a ciência”, opinou.
O pesquisador também ressaltou a importância da divulgação científica presencial, em tempos dominados por interações virtuais: “Um país do tamanho do Brasil precisa de encontros como o CNMAC. Você escuta um pesquisador do Norte ou do Sul, troca uma ideia no café e aquilo pode virar uma colaboração. Essa troca entre diferentes áreas é o que torna o evento especial — alguém da biologia, por exemplo, apresenta algo que inspira alguém da matemática, e novas ideias surgem daí”.
Diálogos internacionais e desafios reais no SM&UQ 2025
Dentro da programação do CNMAC, nos dias 18 e 19 de setembro, foi realizado o Workshop on Stochastic Modelling and Uncertainty Quantification (SM&UQ 2025), um encontro de caráter internacional que reuniu especialistas do Brasil, da América Latina e da Europa para debater temas que variaram desde equações diferenciais estocásticas, modelos de redes aleatórias, problemas estocásticos inversos até metodologias de quantificação de incertezas aplicadas a problemas do mundo real.

Auditórios lotados, salas arrebatadas de participantes e mentes compenetradas em evoluir cientificamente: esse foi o saldo do CNMAC 2025 na FGV EMAp | Foto: FGV EMAp
O SM&UQ 2025 teve coordenação de Hugo de la Cruz, também pesquisador da FGV EMAp, e surgiu a partir de uma ideia embrionária em 2024 durante um congresso da área em Valência, na Espanha. Pesquisadores brasileiros e do exterior pensaram em reunir forças para criar um fórum de trabalho e o CNMAC foi o espaço perfeito para confortar o evento.
“Aproveitamos a densidade científica do CNMAC para criar um ambiente propício à colaboração. A ideia é que esse workshop seja o início de uma rede latino-americana e europeia de pesquisa em modelagem estocástica e quantificação de incertezas”, analisou Hugo, que também compôs o Comitê Local do CNMAC 2025.
Uma ponte entre academia, indústria e sociedade
Um dos diferenciais do CNMAC 2025 foi a forte presença do setor produtivo, com estandes de empresas e uma mesa-redonda dedicada aos impactos das mudanças climáticas.

Andressa Meireles, da Zurich Resilience Solutions, destacou a proximidade entre indústria e academia em um evento de tal magnitude como o CNMAC | Foto: FGV EMAp
Representando o setor de seguros, Andressa Meireles, diretora de Engenharia de Riscos da Zurich Resilience Solutions para a América Latina, destacou a relevância do evento. “Participar dessas discussões é essencial. A gente precisa da academia, do setor público e privado juntos para enfrentar os desafios da sustentabilidade. Não se trata só de pagar sinistros, mas de mitigar riscos com conhecimento técnico e matemático”, disse a executiva.
Em seguida, ela também apontou o congresso como uma vitrine para novos talentos e, quem sabe, de já deixarem a graduação ou pós-graduação empregados na seguradora suíça. “A Zurich precisa de profissionais com formação em Matemática, Estatística e Atuária. São áreas em que há muita demanda e pouca oferta. Estar aqui foi também uma oportunidade de nos aproximarmos desses jovens pesquisadores”, destacou Andressa.
Para o presidente da SBMAC, Carlos Hoppen, o retorno do evento ao Rio de Janeiro foi mais do que simbólico: representou o resultado de uma confluência de vontades.
“A FGV se candidatou com uma proposta muito consistente, com um programa de Matemática Aplicada em crescimento, um novo doutorado e uma forte atuação junto à indústria. Para nós da SBMAC, fazia todo sentido aceitar essa proposta, especialmente porque haviam se passado mais de 40 anos desde que o CNMAC aconteceu na cidade do Rio, e mais de 20 desde a última edição no estado. Havia, claramente, uma sinergia”, reforçou o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Presidente da SBMAC, Carlos Hoppen ressaltou variedade de temáticas discutidas na FGV EMAp, desde IA e ciência de dados até meio ambiente | Foto: FGV EMAp
O matemático também destacou como o CNMAC reflete os novos rumos da Matemática Aplicada com as temáticas mais modernas, virando protagonistas das atividades nos eventos.
“A programação [dos eventos] muda com o tempo. Hoje temos minissimpósios em inteligência artificial, ciência de dados, desafios climáticos — temas que exigem ferramentas matemáticas sofisticadas. É importante que a Matemática acompanhe esses movimentos, e eventos como o CNMAC são fundamentais para conectar nossos pesquisadores com esses desafios do mundo real”, afirmou Hoppen.
Formação, representatividade e inovação na prática
Mais do que um evento técnico, o CNMAC 2025 também se destacou pela promoção da formação acadêmica, da representatividade feminina e da popularização da ciência. Iniciativas como o CNMACquinho, voltado a crianças e jovens, e os painéis de iniciação científica e pós-graduação foram destaques na programação.

CNMACquinho, para entreter crianças e jovens, foi um dos pontos fortes da programação do evento na FGV | Foto: FGV EMAp
Para Sofia Monteiro, aluna de graduação em Matemática Aplicada da FGV EMAp, a experiência reforçou a importância da aproximação entre estudantes e a comunidade científica.
“Por mais que tenhamos um contato com as aulas e as matérias, eu acho que é muito importante que tenhamos também um contato com a parte científica ‘da coisa’. E o CNMAC é um espaço muito importante para isso, não só porque é a maior conferência de Matemática Aplicada e Computacional do país e ela está sendo realizada aqui na FGV, mas também porque é um contato que a gente tem com outros cientistas, que são referências em livros e bibliografias, em um contexto mais aplicado da ciência”, avaliou a estudante.
No CNMAC 2025, Sofia atuou como voluntária e destacou a vivência prática nos bastidores do evento. “Fui responsável por diversos tipos de atividades, mas principalmente orientação dos participantes e também auxílio dos palestrantes e congressistas e isso nos aproxima ainda mais dessa classe. Quando a gente vê essa pessoa falando na nossa frente, a experiência nos aproxima não só da pessoa, mas também do produto, do conhecimento científico que ela produz”, relatou.
Maria Soledad Aronna, que também integra o corpo de pesquisadores da FGV EMAp, comemorou os resultados: “As salas estavam cheias, as plenárias lotadas. O que vi foi um evento muito bem organizado e com grande participação. Isso mostra o engajamento da comunidade e o sucesso da parceria entre SBMAC e a Escola.”
A partir de 2026, Soledad assumirá a presidência da SBMAC. Ela também reforçou a importância estratégica da FGV EMAp como centro de excelência em Matemática Aplicada e tendo a possibilidade de contribuir também em outros segmentos científicos.

Pesquisadora da Escola, Maria Soledad Aronna comemorou o sucesso do CNMAC 2025, que atraiu muitos adeptos das áreas de Matemática Aplicada e Computação | Foto: FGV EMAp
“A Escola tem grupos de pesquisa fortes e já tem colaborado com a SBMAC, como no Congresso Latino-Americano de Matemática Industrial e Aplicada (LACIAM), em 2023. Agora, com o CNMAC, essa parceria se fortalece ainda mais. Vejo muito espaço para a FGV EMAp contribuir com o desenvolvimento da matemática industrial, que é uma área estratégica e prioritária para ambas as partes”, encerrou a pesquisadora.
Para Tatiana Danelon, vencedora do Prêmio Marco Antônio Raupp, reservado à SBMAC para a melhor tese de Doutorado na área, o CNMAC foi a oportunidade de apresentar seu trabalho sobre escoamento de espumas com nanopartículas para recuperação de petróleo, realizado em parceria com a Shell.
“Participar e ganhar o prêmio me trouxe visibilidade. Muitas vezes a gente subestima nosso próprio trabalho. Estar aqui é uma forma de mostrar o que fazemos e como a pesquisa pode impactar o mundo real”, confirmou a estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

A mineira Tatiana Danelon, da UFJF, foi uma dos protagonistas do evento ao vencer Prêmio SBMAC 2025 na categoria doutorado | Foto: FGV EMAp
Já a aluna de doutorado Maria Laura Schuverdt, que veio da Argentina, destacou o papel do congresso como espaço de intercâmbio internacional. “É minha primeira vez em um CNMAC. Conectar alunos e pesquisadores é essencial para que a Matemática Aplicada se torne mais presente nas soluções de problemas industriais e sociais”, posicionou-se a participante.
A FGV EMAp no centro da matemática brasileira
Para Paulo Amorim, coordenador local do CNMAC 2025, sediar o evento foi uma decisão natural para a FGV EMAp. A intenção dos organizadores foi e continua sendo consolidar a Escola como um centro de excelência na área de Matemática Aplicada e Computacional.

Paulo Amorim, coordenador local do CNMAC 2025, enxergou o evento como propulsor da FGV EMAp a um centro de excelência na área de Matemática Aplicada e Computacional | Foto: FGV EMAp
A realização do congresso só reforça o compromisso da instituição carioca com a pesquisa de ponta e com a formação de novos cientistas. “Essa missão está totalmente alinhada com os objetivos da SBMAC, e o sucesso do congresso comprovou tudo isso”, completou o também pesquisador da FGV EMAp, com experiência na área de Equações Diferenciais Parciais.
A dimensão internacional do CNMAC 2025 também apareceu nas apresentações de palestrantes estrangeiros. O professor Nathan Kutz, da University of Washington, nos Estados Unidos, mostrou como métodos de machine learning podem acelerar descobertas científicas em problemas complexos de ciência e engenharia.
Apaixonado por Fórmula 1 e fã de Ayrton Senna, Kutz usou exemplos da categoria para ilustrar como é possível modelar fenômenos físicos de forma mais simples e eficiente. “Pouquíssimas pessoas conseguem simular o fluxo aerodinâmico de um carro de Fórmula 1, pois exige enorme capacidade computacional. Técnicas de machine learning permitem criar modelos mais leves que ainda capturam a essência da física e ajudam a projetar carros mais rápidos”, explicou o norte-americano.

O pesquisador Nathan Kutz, da University of Washington, usou a Fórmula 1 como estudo de caso para análise de técnicas de machine learning em problemas de ciência e engenharia | Foto: FGV EMAp
Kutz ressaltou a importância de eventos como CNMAC, que promovem a interação entre pessoas e instituições. “Conheço muitas pessoas aqui que trabalham em instituições brasileiras, no Rio, em São Paulo, no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e têm grandes ideias. A ciência é impulsionada pelas interações humanas, e eventos como o CNMAC são fundamentais para integrar o Brasil à matemática internacional”, completou o palestrante.
Um marco para a ciência e para o país
O CNMAC 2025 foi mais que um congresso: foi um marco para a Matemática Aplicada brasileira. Ao reunir pesquisadores, profissionais da indústria e estudantes em uma mesma instituição por cinco dias consecutivos, o evento promoveu conhecimento, colaboração e inspiração.
O Rio de Janeiro, por sua vez, voltou ao mapa da ciência nacional com a força da pesquisa, e a FGV EMAp reafirmou sua posição como um dos grandes polos de interlocução entre academia, sociedade e setor produtivo no Brasil.